O conteúdo deste post não é da minha autoria, é um artigo que recebi por email sobre a caipirinha, que decidi partilhar convosco.
Perfeitamente brasileira
Um passo a passo para fazer a caipirinha perfeita
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Caipirinha tradicional |
Em um mês de julho especialmente frio em São Paulo, eu fazia estágio em um bar na Vila Mariana. Lugar muito simpático, querido dos paulistanos, em uma esquina onde o vento gelado da noite fazia a curva e me acertava exatamente atrás do balcão. Lá eu aprendi a tirar chopp em delicadas tulipas de cristal, com os exatos dois dedos de creme e na pressão correta, aprendi alguns coquetéis clássicos, mas acima de tudo, fui treinada na delicadeza da preparação da brasileiríssima caipirinha.
Meu mestre, o barman Souza (por sua vez discípulo do grande mestre Derivan), era rígido e sorridente como todos os bons barmen. Engana-se quem pensa que a parte de trás do balcão é um lugar tão descontraído quanto sugere a simpatia dos atendentes. Na ordem de um bar, boteco ou até de um restaurante, esse é um dos lugares onde a organização é mais rígida, afinal, ele está à vista do cliente todo o tempo. Quando estive atrás desse balcão, eu já havia concluído meu curso de bartender e estagiado em outro bar, mas confesso que minhas caipirinhas necessitavam de um toque profissional. Elas vinham da arte caseira, de quem aprecia a bebida em família. No meu caso, até aquele momento, quem preparava as melhores caipirinhas (na verdade ainda as faz) era meu pai, com a sabedoria da prática e do bom gosto. Mas é claro que em casa você não consegue ter o traquejo de quem prepara trinta caipirinhas (em uma noite tranquila) com a velocidade e precisão necessárias para um estabelecimento comercial.
E foi nesse ponto que a coisa ficou séria. Souza me ensinou a selecionar o limão (o ideal seria o galego, muito difícil de conseguir por ser sazonal), com casca regular, fina e sem marcas, não muito duro e de coloração verde uniforme. Como o limão galego é muito raro, a maioria de nossas caipirinhas é feita com o limão taiti, de sabor mais ácido, mas não raro com mais sumo. Em seguida vem o corte. É preciso retirar fatias finas das duas extremidades dos limões e cortar ao meio no sentido do comprimento. A receita oficial leva limões com casca, mas alguns lugares preferem tirá-la. Eu acredito (e sei que muitos barmen vão concordar comigo) que o óleo da casca do limão perfuma a caipirinha de forma inigualável. O essencial, quer você use seu limão com casca ou sem, é retirar a membrana branca que fica no meio da fruta. Se isso não for feito, ela irá transferir um amargor desagradável para a bebida durante a maceração. Em alguns bares usa-se o limão em fatias muito finas, para que a influência dessa membrana seja insignificante. No entanto, a receita oficial leva um limão cortado em meias rodelas, de meio centímetro, ou em cunhas, então essa película branca tem que ser retirada. Isso feito é colocar no copo onde ela será servida. O mais tradicional é o do tipo old fashioned, o copo baixo de boca larga, com fundo grosso.
Souza me ensinou a ser mais generosa com o açúcar do que meu paladar indicava. Para um limão de bom sumo, uma colher de sopa. O objetivo é conseguir quase dois dedos de limão, suco e açúcar no fundo do copo antes de colocar a cachaça. O limão, sendo a fruta mais ácida conhecida na natureza, precisa do açúcar para o equilíbrio da bebida. Então, a menos que seus amigos (ou clientes) sejam específicos sobre isso, seja generoso na parte doce. De volta à delicadeza, amasse o limão e o açúcar utilizando um pilão de madeira ou plástico. Não desconte suas tristezas nesse processo, pois seu coquetel vai ficar amargo. Seja vigoroso e sutil. Pare assim que obtiver os dois dedos da mistura no fundo do copo, afinal, isso não é uma limonada suíça e a casca do limão não pode ficar moída.
Como todos os coquetéis catalogados – e a nossa caipirinha é um coquetel oficial da International Bartenders Association (IBA) graças ao empenho do já mencionado barman Derivan – e também uma bebida reconhecida pela lei no Brasil, a receita tradicional não varia e, para poder ser chamada de caipirinha, é feita com cachaça, limão e açúcar. As variações, quase tão populares como a original, não são caipirinha. Elas recebem a denominação genérica de stick, por conta do palito de madeira ou plástico utilizado para mexer o coquetel. No entanto, essa denominação só é utilizada pelos bartenders. Popularmente, essas misturas são chamadas de caipiríssima (feita com rum), caipirosca (com vodca) e sakerita (obviamente com sakê).
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Caipirinha de maracujá |
É importante dar atenção redobrada ao destilado que será utilizado, pois o equilíbrio da composição depende das boas qualidades de cada parte: limão suculento, bom açúcar e destilado de qualidade. Para uma caipirinha perfeita, evite as cachaças industrializadas. Aquelas que custam menos de cinco reais a garrafa vão, inevitavelmente, comprometer o resultado de sua bebida. Mas não é necessário utilizar nenhuma cachaça especial, a menos que você conheça o produtor. E também não se utiliza cachaça ouro (ou envelhecida). O ideal é a branca, que preserva o aroma da cana-de-açúcar e a acidez mais marcante.
O gelo (de preferência feito com água filtrada) deve ser quebrado de uma maneira simples, mas que leva um tempinho para pegar o jeito: coloque a pedra na palma da mão e, com o pilão, dê uma batida firme no centro da pedra. Ela vai se quebrar perfeitamente. Conselho de amigo: evite treinar nas noites frias de inverno, pois sua mão não vai gostar do exercício.
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Caipirinha de frutas vermelhas |
Agora que você tem o copo com o limão e o açúcar já delicadamente macerados, coloque duas pedras de gelo e acrescente uma dose de cachaça branca (ou prata). Com uma colher de sobremesa ou com um palito de madeira, misture esses ingredientes vigorosamente por alguns segundos. A bebida vai tomar um tom ligeiramente esverdeado. Coloque mais uma pedra de gelo e mais meia dose de cachaça. Dê uma mexida ligeira e sirva. Está pronto o nosso coquetel tradicional mais refrescante e popular.
Meu mestre Souza só me deixou mandar minha primeira caipirinha para a mesa de um cliente depois de quase uma semana de treino. Ele me observava enquanto eu fazia, corrigia a intensidade do uso do pilão, a quantidade de gelo e a aparência final do coquetel. Como boa discípula, sempre segui suas regras, mas continuo achando que a caipirinha dele ainda é melhor do que a minha, talvez seja por isso que ele hoje é dono de bar e eu voltei para o jornalismo, quem sabe?
Não posso deixar de mencionar que,
além da nossa receita original, que continua sendo a minha preferida e a de um incontável número de brasileiros e estrangeiros, existem variações que são também muito gostosas. As que ficaram mais populares nos últimos anos levam a mesma base, ou seja, uma ou mais frutas cítricas (mexerica, carambola, kiwi, maracujá, frutas vermelhas, abacaxi, às vezes combinadas com limão) cachaça ou vodca, gelo e açúcar. E existem ainda os mais inovadores, que transformaram a bebida em um outro tipo de coquetel, acrescentando à mistura o gengibre, folhas de hortelã, pimenta rosa, cravo e frutas exóticas como, por exemplo, a jaboticada, a fruta do conde, a seriguelae a lichia. Qualquer que seja a mistura, as regras básicas são as mesmas: boa fruta, bom açúcar, destilado de qualidade e gelo. Agora vai ficar difícil errar a mistura.
Para um copo baixo grande você vai precisar de:
- 1 limão cortado em meias fatias;
- 1 1/2 dose de cachaça;
- 1 colher de sopa de açúcar;
- 3 pedras de gelo.
Duas doses de história | ||
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| É impossível precisar quando e onde a caipirinha foi inventada. Sua história se mescla a da cachaça. Mas sabe-se que nos engenhos de cana, em meados do século XVI, os escravos já bebiam a garapa misturada com frutas cítricas, mesmo antes de se utilizar a destilação. Essa combinação de suco de fruta com o caldo da cana suavizava seu dulçor. Os escravos também bebiam uma garapa azeda, espécie de borra já em princípio de fermentação, um resíduo vindo dos tachos de rapadura. Esse caldo é denominado Cagaça. Daí em diante não é difícil imaginar para onde essa história evoluiu. Avançando no tempo, já no começo do século XX, muitos artistas tiveram parte importante na popularização de nossa bebida símbolo. Era uma época em que estavam tomados de ufanismo e queriam, a todo o custo, separar nossa cultura das influências estrangeiras, assim, serviam comida brasileira e caipirinha nos mais altos escalões da sociedade brasileira e também a levavam para o exterior. Foi o caso de Tarsila do Amaral, pintora modernista brasileira que mandava cachaça a Paris – rotulada como “produto de beleza” para que não fosse confiscada na alfândega – para servir em sua casa. |
Agradecimentos: Souza, barman do Veloso Chopp e Petisco
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